RESENHA: A Escola da Carne - Yukio Mishima


          A Segunda Guerra Mundial não só deixou um cenário de terra arrasada como também muitos traumas com os quais a sociedade japonesa do pós-guerra teve de lidar. Foi nesse conturbado contexto que escritores como Yukio Mishima conceberam algumas das mais intrigantes obras da literatura japonesa. Ficções que capturam, com argúcia e sensibilidade, o espírito e a desordem de uma sociedade que juntava os cacos e tentava se reerguer, buscando entender melhor a si própria e assumir uma nova identidade, uma ressignificação. E é neste contexto que se encaixa "A Escola da Carne", publicado originalmente em 1963.

          A obra narra o improvável romance entre Taeko e Senkishi. Ela, uma mulher próxima da meia-idade, divorciada, independente, bem sucedida e disposta à aventuras amorosas sem maiores compromissos (embora isso não seja bem visto naquela sociedade conservadora). Ele, um jovem com ares niilistas que abandonou os estudos, é viciado em jogo e trabalha em um bar gay onde sai com os clientes em troca de dinheiro. Em meio a uma Tóquio despedaçada pelo pós-guerra e ávida por cicatrizar suas feridas, nasce entre os dois um relacionamento peculiar, uma "simbiose" que tem como base o sexo e a autodepravação, uma tentativa desesperada de preencher "abismos internos" e desvelar uma identidade própria, mesmo que por caminhos tortos.


          É um livro que não apenas permite vislumbrar o contexto desse conturbado período da história do Japão, mas também convida à uma reflexão sobre relacionamentos em geral. O romance de Taeko e Senkishi está fadado ao fracasso desde o início e os próprios enamorados têm consciência disso, mas seguem em frente mesmo assim. Importante dizer que em nenhum momento a relação se torna de fato abusiva, ela é pura e simplesmente autodestrutiva. Mas quem garante que não era exatamente disso que ambos precisavam naquele momento? Uma destruição que abrisse o espaço necessário para uma reconstrução de bases mais sólidas e que permitisse a ascendência de uma nova identidade, mais viva, mais plena, mais real? Assim como o Japão buscava após a Segunda Guerra Mundial...

          Esse foi o meu segundo Mishima e, embora não tenha me tocado tanto quanto o excelente "Vida à venda", ainda assim foi uma boa leitura com personagens complexos, bons diálogos e aquela sensibilidade e melancolia que só os japoneses têm. Se eu recomendaria para todo mundo? Acho que não. O romance entre Taeko e Senkishi pode soar enfatuado em alguns momentos e envolve uma pá de coisas problemáticas. Não que eu tenha me apegado muito a isso, mas estou ciente de que este não é um livro que funcionará para todo leitor. Sua leitura é mais indicada mesmo para quem tem interesse nesse contexto específico do Japão pós-guerra. Se você só quer uma história de amor triste, há outras opções por aí.

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