RESENHA: Que Paraíso é Esse? - Francesca Borri


          Francesca Borri é uma escritora e jornalista italiana. Especialista em direitos humanos, atua fortemente no Oriente Médio e já redigiu trabalhos reconhecidos sobre Israel e a Palestina. Publicado originalmente em 2017, "Que Paraíso é Esse?" é resultado de sua visita às Maldivas, um paraíso turístico que esconde um lado obscuro. Constituído por mais de mil ilhas, o país muçulmano sobrevive de resorts, ilhas paradisíacas isoladas que recebem turistas milionários, enquanto a própria população tem acesso negado a esses paraísos e é asfixiada na capital Malé, uma das cidades mais populosas do mundo. Crescendo em casas arruinadas onde quinze ou vinte pessoas dividem um espaço caótico e sem a menor perspectiva de um futuro, os jovens maldivanos têm basicamente três opções: tentar cair nas graças das autoridades (o que é muito difícil sem o dinheiro e a influência necessários), se entregar às drogas e à criminalidade ou ir lutar na Síria. Por incrível que pareça, essa última opção, para muitos, é a melhor.

          O país é resultado de anos de um governo autoritário que não tolera oposição e que tem as suas bases no Islã, mas um Islã deturpado que se assemelha mais a uma arma política do que uma religião. Sem polícia e com um sistema judiciário que anda de mãos dadas com o governo, o ambiente hostil é uma verdadeira arapuca pronta a se fechar sobre qualquer dissidente. Através de crônicas locais, Francesca desbrava esse território inóspito e em meio a relatos que se intercalam entre dolorosos, comoventes e raivosos, constrói uma poderosa narrativa, capaz de não só indignar o leitor mas também despertá-lo para um sofrimento que por vezes parece invisível para nós, ocidentais.


          Em uma das passagens mais fortes do livro, diz um maldivano que está combatendo na Síria: "Pode me chamar de Mohammed. Já que para vocês somos todos iguais. Todos os muçulmanos. Para vocês somos todos violentos, ignorantes. Fanáticos somente. [...] Porém, para vocês, os europeus que combatem contra os curdos combatem pela liberdade. E na verdade eles combatem a guerra deles. Como nós. Como todos. [...] Contra Assad vocês ficaram olhando. Com 500 mil mortos: ficaram olhando. Mas foi só mexerem com Mossul, que todos intervieram. E por quê? Porque o petróleo está em Mossul. Porque é esta a prioridade de vocês. O petróleo. [...] Vocês ficam todos atrás de Israel. Todos estudando seus métodos. Comprando a sua tecnologia, os seus sistemas de vigilância. E, de fato, é justamente o país com o qual aprender. Faz setenta anos que controla os palestinos um por um. Eles têm espiões, câmeras. Postos de controle em todo lugar. Sabem tudo de todo mundo. E não têm limites: ninguém fala nada, podem atirar contra qualquer pessoa. [...] Hoje no mundo uma minoria da população possui tudo. Quanto será? Dez por cento? E não é que vocês pensam que o mundo, assim, não pode funcionar: vocês pensam que querem estar naqueles 10%. Depois você diz para mim: violento. Você tem a guerra em casa."

          Apesar de ter como foco as Maldivas (não confundir com Malvinas), o livro ajuda a esclarecer um pouco a situação do Oriente Médio: a Al-Qaeda, o Estado Islâmico, a Síria, Gaza, Israel x Palestina, o Hamas e as malfadadas incursões dos países ocidentais na região. A Âyiné tem uma linha editorial incrível de livros jornalísticos voltados para o assunto, recomendo fortemente pra quem queira entender melhor os conflitos e as nuances político-religiosas que assolam a região. Indico, em especial, o excelente "Cada Um Carregue Sua Culpa", que, aliás, já resenhei por aqui.

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