RESENHA: Noventa e Três - Victor Hugo

          Victor Hugo divide com Tolstói o posto de autor favorito na minha estante. Depois de ter lido suas obras mais canônicas, confesso que não esperava nada muito diferente deste que é o seu último romance, publicado originalmente em 1874. Para concebê-lo, o autor voltou seu olhar arguto e humanista para o fatídico ano de 1793, um dos mais intensos e sangrentos da Revolução Francesa. Tarefa essa descrita pelo próprio autor como "impossível", mas que ele não poderia morrer sem tentar. A narrativa é dividida em três partes, cada uma delas centrada em um personagem. São eles: Lantenac, marquês deposto e defensor implacável da monarquia; Cimourdain, ex-padre e líder sanguinário da Revolução; e Gauvian, comandante militar republicano. Três forças distintas que irão se colidir ao longo de todo o romance e convergir em um fim típico victorhugano.

          A primeira coisa que me chamou a atenção é que aqui temos um Victor Hugo bem mais fluido. As tão temidas digressões que tomam páginas e mais páginas de "Os Miseráveis" e outros calhamaços do autor estão bem mais contidas aqui. Grande parte da narrativa se dá através de diálogos e também teremos muitas cenas de ação, como batalhas navais, vilarejos incendiados, fuzilamentos, cercos, etc. Além, é claro, de muita conspiração política, traições e reviravoltas. Enfim, todo o caos e a turbulência tão caros a este conturbado período da humanidade parece não ter ficado somente na ambientação, mas também influenciado na urgência com que o autor narra os fatos.

          Aquele que talvez seja o ponto mais forte de Victor Hugo, os personagens, também brilha com toda a força aqui. Personagens históricos como Robespierre e outras figuras da Revolução dividem espaço com personagens fictícios. Não só os três protagonistas, mas também os coadjuvantes, como a mãe que passa o livro todo em busca dos filhos e o ermitão que perambula pelas florestas, são bem trabalhados e extremamente humanos, fugindo aos estereótipos de vilão e mocinho. Inclusive, essa é uma das discussões que a obra propõe: a tênue linha entre o bem e o mal e a forma como nem tudo na vida é preto no branco. É também uma obra sobre como o meio, as ideias e, principalmente, a política, corrompem o homem. Incansável, em seu último romance Victor Hugo ainda enfrentava velhos inimigos, como a pena de morte, as asfixias do Estado e a desigualdade social.

          Se você deseja começar a ler o autor e queira fugir dos calhamaços, acredito que esta seja uma boa porta de entrada. Inclusive, a obra funciona como uma espécie de preâmbulo para "Os Miseráveis", uma vez que os acontecimentos aqui narrados antecedem a jornada de Jean Valjean. Dessa forma, a leitura também pode ser vista como uma preparação para encarar o maior romance de Victor Hugo, permitindo também ao leitor uma maior afinidade com o contexto político e social da França da virada do século XVIII para o XIX. "Noventa e Três" é um romance histórico com doses de novelão (embora com os exageros mais contidos), e que pode não ser tão conhecido quanto seus irmãos mais famosos, mas ainda assim ocupa um lugar importante dentro da obra de Victor Hugo e da história francesa.

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