RESENHA: O Músico Cego - Vladimir Korolenko


          Korolenko é um daqueles autores que são extremamente cultuados na Rússia, mas que carecem de reconhecimento no ocidente. O escritor não se contentava em apenas denunciar as injustiças sociais de seu país através da literatura e participava ativamente de movimentos em defesa dos direitos humanos. Obviamente, não era bem quisto pelo regime tsarista e muitas vezes desafiou o status quo, conquistando assim a admiração de nomes como Tolstói e Tchekhov. Como amante da literatura russa, eu não poderia deixar de conhecê-lo e eis-me aqui com mais um russinho lido (ucraniano, na verdade) e mais um favorito na estante.

          Publicada originalmente em 1886, "O Músico Cego" foi considerada pelo próprio autor como uma "novela-pesquisa". Pesquisa essa sobre a eterna busca do ser humano pela luz. Luz aqui pode ser entendida tanto no contexto espiritual (não exatamente religioso), quanto psicológico. Explico: a trama narra a trajetória de Piótr. Cego de nascença, o garoto é cercado de cuidados especiais, mas fadado a uma existência triste e solitária na fazenda onde vive, se não fosse a intervenção de seu tio Maksim... O velho cossaco acredita que o sobrinho possa levar uma vida plena, mas para isso precisa passar por um processo de despertamento. Em meio à toda escuridão que o cerca, ele precisa "ver a vida".


          Ao longo da narrativa vamos então acompanhar Piótr desde a mais tenra infância até a idade adulta. Uma jornada de amadurecimento e aprendizado, que passa por temas como a solidão, o amor e a eterna busca por um equilíbrio entre as alegrias e as tristezas da vida. É um livro muito tocante, não só pela temática, mas também pela sensibilidade narrativa. Como o protagonista é cego, o autor muitas vezes irá recorrer a sons, cheiros e texturas para descrever, por exemplo, elementos da natureza. Os relacionamentos e as reverberações da alma também ganham todo um cuidado especial. Não esquecendo, é claro, da música, que desempenha papel fundamental no processo de despertar no nosso herói, destacando assim o poder da arte. É uma escrita realmente bonita!

          A cegueira de Piótr pode ser vista como uma analogia para muitas situações da vida, afinal todos nós estamos sujeitos a momentos de escuridão, essa é uma das condições de ser humano e estar neste mundo. Korolenko acreditava que "o homem é criado para a felicidade assim como o pássaro é criado pelo voo", mas essa felicidade de que ele fala não é um estado de alegria sempre constante e ilusório, mas sim uma assimilação, ou uma aceitação, dos infortúnios e das adversidades da vida. Logo, é uma felicidade consciente. E é para essa vida que Maksim tenta despertar o sobrinho. Em uma das passagens mais memoráveis do livro, o tio reflete: "Sim, ele recuperou visão. Em lugar de um sofrimento egoístico, ele sente a vida, sente a felicidade e a desgraça dos outros, e saberá lembrar aos felizes dos infelizes."


          Uma novela enxuta, bem escrita, sensível e poderosa, capaz de provocar profundas reflexões e, por que não?, mudanças na forma como encaramos a vida. Sem dúvida é um livro capaz de ajudar pessoas que estão atravessando momentos do escuridão, mas não trazendo um conforto bobo e passageiro e sim convidando a um despertar da consciência para além do próprio sofrimento. Acho até que pode ter me ajudado em algumas questões... O livro foi, pra mim, uma verdadeira preciosidade encontrada em meio à literatura russa do século XIX e foi um prazer lê-lo em uma edição tão bem cuidada como essa da Carambaia. Sem dúvida, um autor e um catálogo para o quais me voltarei em um futuro próximo.

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