CITAÇÕES: Os Buddenbrook - Thomas Mann


📖 "Não nascemos para aquilo que, com olhos imprevidentes, consideramos nossa pequena felicidade pessoal, pois não somos indivíduos livres nem independentes, que vivem por si sós, mas sim elos de uma corrente."

📖 "Ocupa-se demasiadamente consigo mesmo, com os acontecimentos no interior do seu próprio eu. Às vezes é acometido por verdadeira mania de revelar e divulgar os mais insignificantes e ocultos desses acontecimentos... coisas com que um homem sensato não se importa, das quais não quer saber, e isso pelo simples motivo de que ficaria embaraçado se as comunicasse. [...] Eu mesmo fiquei, às vezes, pensando sobre essa maneira angustiada, frívola e curiosa de ocupar-se consigo mesmo; pois antigamente eu também tinha inclinação para isso. Mas verifiquei que ela nos faz distraídos, incapazes e instáveis... e, para mim, a compostura e o equilíbrio são o essencial. Sempre haverá homens que têm direito àquele interesse pelo próprio eu e a essa observação minuciosa dos seus sentimentos: poetas que sabem dar forma segura e bela à sua vida interior privilegiada, enriquecendo assim o mundo sentimental de outras pessoas. Mas nós nada mais somos do que simples comerciantes, querida; as nossas auto-observações são desesperadamente insignificantes."

📖 "É realmente muito triste que a gente viva só uma vez, que não se possa recomeçar a vida. Faríamos muitas coisas com mais jeito..."

📖 "Será que, na vida, apenas é vergonhoso e escandaloso aquilo que se torna público e do que se fala? Ah, não! Muito pior é o escândalo clandestino que silenciosamente nos corrói e devora o respeito que temos por nós mesmos! [...] deveria totalmente renunciar a mim, à minha origem e educação, a tudo quanto tenho em mim, só para parecer feliz e satisfeita: eis o que chamo indigno, eis o que é escandaloso."

📖 "Pode ser que seja passageiro... Uma indisposição, decerto... Mas, nestes últimos tempos, sinto-me mais velho do que sou. [...] Tenho a impressão de que algo começa a escapar-me, como se eu não mais segurasse com a mesma força de outrora aquela coisa indeterminada... Que é o sucesso? Energia, perspicácia, prontidão, secretas e indescritíveis... a consciência de que, pela minha simples existência, exerço uma pressão sobre os movimentos da vida em torno de mim... a crença de que a vida obedece à minha vontade... Sorte e sucesso encontram-se em nós mesmos. Devemos segurá-los com firmeza, com vigor. Desde que, aqui dentro, alguma coisa começa a afrouxar, desentesando-se e tornando-se cansada, imediatamente, em redor de nós, tudo se liberta, faz oposição, se rebela e subtrai-se à nossa influência... Então, as coisas se precipitam; uma derrota segue a outra, e a gente está acabada."

📖 "Sei que, muitas vezes, os símbolos e sinais exteriores, visíveis e palpáveis da sorte e do êxito aparecem apenas quando, em realidade, tudo já vai decaindo. Esses sinais exteriores precisam de tempo para chegar, assim como a luz duma dessas estrelas ali em cima, da qual não sabemos se já não se está apagando quando o seu brilho nos parece mais claro..."

📖 "O pequeno Johann, de cabelos macios e ondulados, brinca no jardim, perto do chafariz, [...] brinca os jogos dos seus quatro anos e meio... Esses jogos cujo encanto nenhum adulto mais sabe compreender; nada se precisa para eles senão uns três seixos ou um pedaço de pau que talvez esteja coroado, como que por um elmo, por uma flor de dente-de-leão; e além disso a fantasia pura e forte, fervorosa e casta, ainda não perturbada nem intimidada, peculiar a essa idade em que a vida tem medo de atacar-nos, quando nem o dever nem a culpa se atrevem a atentar contra nós; em que podemos ver, ouvir, rir, admirar-nos e sonhar, sem que o mundo exija os nossos serviços? quando a impaciência daqueles a quem, todavia, queríamos amar ainda não nos importuna, solicitando sinais e provas da nossa capacidade de prestar valentemente esses serviços... Ah, não faltará muito tempo, e todos cairão sobre nós com forças brutalmente superiores, para nos violar, exercitar, encorajar, diminuir e estragar?"

📖 "Não se desejam as estrelas; mas a esperança... Ah, sim! A esperança, não a realização, era o que a vida oferecia de melhor. [...] Aquele a quem erguem nos seus ombros as vagas da vida real, em cuja fronte resplandece a boa fortuna, não precisava ruminar na cabeça esses pensamentos. Mas quem, solitário, sonha nas trevas profundas, tem necessidade dessas coisas..."

📖 "A existência [...] já não era senão a de um ator - de um ator para quem a vida inteira, até as mínimas e mais triviais bagatelas, se tornou mera representação que, exceção feita de algumas breves horas de solidão e descanso, constantemente lhe exigia e devorava todas as forças... Faltava-lhe por completo um interesse sincero e nervoso que o ocupasse; na sua alma reinava empobrecimento e ermo - ermo tão forte que, quase sem cessar, pesava sobre ele uma mágoa indeterminada: ligavam-se a isso, de modo inexorável, a obrigação íntima e a decisão tenaz de exibir-se dignamente, custasse o que custasse, de esconder, com todos os meios, a sua debilidade e de guardar os dehors. Este esforço ininterrupto conduzira-lhe a existência àquele ponto em que ela se tornava artificial, consciente e constrangida, fazendo com que, na presença de outras pessoas, cada palavra, cada gesto, a mais insignificante ação chegassem a ser um trabalho de ator, penoso e exaustivo."

📖 "Certo dia, durante quatro horas inteiras, leu com crescente comoção um livro que, meio procurado meio achado, lhe caíra nas mãos... [...] Enchia-o um profundo e grato contentamento que ele antes não conhecera. Sentia a incomparável satisfação de ver como um cérebro poderoso e superior se apossava da vida, dessa vida tão forte, cruel e sardônica, para dominá-la e fazer-lhe justiça... Aqueles que sofrem e, continuamente, cheios de vergonha e má consciência, ocultam os seus tormentos à frieza e ao rigor da vida sentem essa espécie de satisfação, quando um grande sábio lhes confere, por princípio e com solenidade, o direito de sofrer pelo mundo - por esse mundo que se considerava o melhor possível e, na realidade, como se provara com ironia magistral, era o pior possível. [...] Fechou o livro e olhou em redor de si... Tinha a impressão de que toda a sua natureza se achava alargada de modo formidável; sentia-se cheio duma ebriedade pesada e obscura. A sua inteligência estava nublada e totalmente embriagada por algo de indizivelmente novo, atraente e promissor, que lembrava o primeiro desejo esperançoso do amor."

📖 "Que era a morte? A resposta não se lhe manifestou em palavras pobres e jactanciosas: sentiu-a; possuiu-a no seu íntimo. A morte era uma felicidade, tão profunda que só se deixava medir em momentos abençoados como este. Era o regresso de uma caminhada penosa através dum labirinto; era a emenda duma falta grave, a libertação dos mais repugnantes entraves e barreiras; reparava um acidente lamentável. Fim e dissolução? Três vezes deplorável quem considerasse pavorosos esses termos insignificantes! Que é que ia findar e se dissolver? Este seu corpo... Essa sua personalidade individual, este obstáculo lerdo, renitente, defeituoso e detestável, obstáculo que nos impedia de ser outra coisa melhor! Não eram os homens apenas produtos desastrados e erros crassos? Não caíam eles num cárcere torturante, logo ao nascerem? Prisão! Prisão! Em toda parte entraves e barreiras! Através das janelas gradeadas da sua individualidade, o homem, desesperado, crava os olhos nas muralhas das circunstâncias externas que o cercam, até que chegue a morte, dando-lhe o sinal da volta para a liberdade..."

📖 "Vastas ondas... Como elas se aproximam e se esmagam, se aproximam e se esmagam, uma após outra, sem fim, sem objetivo, monótonas e doidas. E todavia produzem um efeito calmante e consolador, como tudo quanto é simples e necessário. Aprendi a amar cada vez mais o oceano... Pode ser que outrora eu preferisse a montanha, pelo único motivo de ela estar tão distante. Agora não queria mais viajar para lá. Acho que ali experimentaria apenas medo e vergonha. Ela era por demais arbitrária, irregular, múltipla... Não há dúvida de que me sentiria demasiado inferior. Que espécie de homens são esses que têm predileção pela monotonia do mar? Parece-me que são aqueles que lançaram olhares excessivamente longos e profundos na confusão do mundo interno para poderem exigir do externo outra coisa a não ser, pelo menos, simplicidade... É apenas um detalhe se, na montanha, a gente faz subidas audaciosas, enquanto na praia descansa tranquilamente na areia. Mas eu conheço o olhar com que se presta homenagem a ambos. Olhos confiados, impávidos e felizes, cheios de ânimo empreendedor, firmeza e vitalidade, vagam de cume em cume; porém, na vastidão do mar, cujas ondas flutuam com esse fatalismo místico e atordoador, repousa sonhando um olhar velado, desalentado e consciente que, em qualquer parte e época, mergulhou demasiado fundo em tristes perturbações... Saúde e enfermidade, eis a diferença. Trepamos audazmente na maravilhosa multiplicidade das alturas denteadas, eretas e alcantiladas, para experimentarmos a nossa força vital, na qual nada ainda se gastou. Mas repousamos sobre a vasta simplicidade das coisas exteriores quando estamos cansados pela confusão das íntimas."

📖 "Existem horas em que isto não consola, valha-me Deus! Horas em que a gente duvida da justiça, da bondade... de tudo. A vida, sabem, quebra muita coisa em nós e destrói muitas crenças.."

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