RESENHA: Green Day - Saviors (2024)

          Ok, confesso que eu não estava muito empolgado para "Saviors", álbum do Green Day que acaba de sair do forno. Na verdade eu havia dado tão pouca atenção aos singles que não sabia exatamente o que esperar do novo disco e isso acabou sendo bom... Pois é, gostei do álbum! Mas antes de entrar em detalhes, gostaria de esclarecer alguns pontos. Estamos falando aqui de uma banda com quase quarenta anos de estrada, quatorze álbuns de estúdio nas costas e um som muito bem definido. Não, a banda irá lançar um segundo "American Idiot" e nem o tão pedido álbum de "volta às raízes". Muito menos irá se reinventar a essa altura do campeonato. E ter isso em mente já é meio caminho andado para gostar do novo trabalho, que coloca o Green Day de volta aos trilhos. Agora vamos ao que interessa...

(Foto: Emmie America)

          Como faixa de abertura, "The American Dream is Kiling Me" deixa um pouco a desejar e não faz jus ao que vem pela frente, embora sirva para dar o recado: temos aqui um Green Day mais uma vez voltado para as questões políticas e sociais de seu país. A sonoridade remete muito ao "21st C.B.", mas a canção, escolhida para ser o primeiro single, não me pegou. Chama a atenção os violinos na ponte, instrumento que voltará a dar as caras mais adiante. Já "Look Ma, No Brains!" vai para o lado completamente oposto e traz de volta o lado mais irreverente e autodepreciativo da banda. Muito fácil imaginar Billie Joe no auge de seus vinte e poucos anos cantando essa, acho que irá agradar aos fãs das antigas. "Bobby Sox" segue nessa mesma pegada adolescente, embora aposte mais no amor e na inocência, com certo aceno para a bissexualidade. Queridinha dos fãs, a música transmite algo de nostalgia e traz até um leve frescor, mas soa meio bobinha e acaba ofuscada por estar entre duas ótimas faixas.

          Forte candidata a melhor música do álbum, "One-Eyed Bastard" abre com um riffão de guitarra, passa para piano e explode em um refrão repleto de backing vocals e rico em melodia (com direito a referência a série "The Sopranos"), tudo isso acompanhado de uma letra raivosa. Ah, isso aqui vai funcionar muito bem ao vivo! Saúde mental é tema recorrente no álbum e surge com toda força em "Dilemma", trazendo talvez uma das letras mais pessoais do novo trabalho. Impossível ouvi-la e não se lembrar dos problemas pelos quais Billie Joe passou anos atrás. É uma canção sobre enfrentar os seus demônios e também um convite a olhar para si mesmo e refletir se você não tem sido apenas um "morto-vivo caminhando".

(Foto: Sacha Lecca / Rolling Stone)

          Quase todo álbum tem uma ou outra música esquecível e este aqui não é diferente. "1981" é uma delas. Embora sua estrutura lembre muito o Green Day dos anos 90, a melodia previsível e o refrão repetitivo só não a tornam cansativa porque a faixa dura apenas 2 minutos. Na sequência temos "Goodnight Adeline", uma baladinha melancólica (não poderia faltar, né?) pra ouvir no escuro, em uma noite de chuva e na companhia de um bom vinho. Fechando esse que eu chamo de o elo mais fraco do álbum, temos "Coma City", que, embora tenha uma letra bem atual e que reflete os problemas das grandes metrópoles, carece de personalidade. Ali pro finzinho a banda ensaia meio que uma jam de punk rock, o que pode ficar até legal ao vivo, mas aqui no contexto do disco só serviu para deixar a faixa excessivamente longa.

          O Green Day muitas vezes acerta quando não se leva tão a sério e é menos pretensioso. É o que acontece em "Corvette Summer". A melodia é simples, a letra é divertida, tudo funciona redondinho e é uma delícia de escutar. Uma verdadeira ode à música e que ainda destaca a importância desta no equilíbrio da saúde mental: "Tudo que eu quero são meus discos / fazendo minha dor desaparecer [...] Acerte-me com acordes poderosos / antes de me deixar morto [...] Vivendo no caos / doente e entediado / leve-me para o pronto-socorro / ou para a loja de discos". Essa é pra ouvir no talo e se revigorar depois de um dia cansativo. O amor perdido é o tema em "Suzie Chapstick", outra delicinha com uma letra tristinha e uma melodia doce como vinho. Impossível de se ouvir e não sair cantarolando os "ba-da-da-da" por aí. Uma das min    has favoritas!

(Foto: Sacha Lecca / Rolling Stone)

          A banda volta a falar sério em "Strange Days Are Here do Stay", onde reflete todo o caos do mundo atual, passando pela propagação do ódio, o isolamento, a loucura e a desesperança. Mas, diferente de outras vezes em que a banda tocou em temas sociais, aqui não temos aquele convite para a revolta, o tom é mais de resignação e pessimismo perante um mundo que está caindo aos pedaços. "Living in the 20's" segue nessa mesma linha, embora mais enérgica e revoltada. Destaque para o peso das guitarras, que remete muito a "Horseshoes and Handgrenades". Uma pedrada! E o tom apocalíptico que permeia todo o disco se torna muito mais evidente nessas duas canções.

          A trinca final abre com "Father to a Son". Composição mais pessoal do álbum, é praticamente uma carta aberta de Billie Joe para os seus filhos. A letra aborda temas como paternidade, família e amor incondicional, e é acompanhada de uma melodia tocante, ornamentada por um belo coro de violinos e piano. "Saviors" pode não ser a melhor faixa-título gravada pelo Green Day, mas tem o seu valor. Se ao longo do álbum as letras traziam certo pessimismo, aqui a banda rompe com ele e acena com alguma esperança. A música é dotada de um tom de urgência e convida a uma reação, embora também possa ser vista como um chamado de socorro. Fechando o disco, "Fancy Sauce" pega o ouvinte já meio cansado e a melodia pouco inspirada só a torna arrastada demais para que possa ser considerada um grand finale. Tratando mais uma vez de saúde mental, está longe de ser uma faixa descartável, mas pouco acrescenta ao que já foi apresentado ao longo da obra.

(Foto: Alice Baxley)

          Tenho visto críticas bem positivas a respeito de "Saviors", não sendo raro encontrar comentários do tipo "melhor álbum desde o American Idiot". Confesso que no início achei isso meio exagerado e até fiquei com um pé atrás na hora de escutar a primeira vez. Diferente do "RevRad", não foi um disco que me pegou de primeira, mas depois de algumas audições ele foi crescendo no meu conceito e a afirmação já não soa tão absurda, embora ainda ache o "21st C.B." e o próprio "RevRad" um degrau acima. Mas isso é algo que só o tempo irá dizer...

          Uma coisa, porém, é certa: a produção aqui é muito bem executada (a volta de Rob Cavallo foi um grande acerto), tiraram aquele monte de efeitos de voz e de bateria, o som parece mais encorpado e a banda volta a soar orgânica depois de algum tempo. É um álbum muito sólido e pé no chão, que da uma enxugada nos excessos e que consegue transmitir uma sensação de unidade, com as músicas conversando muito bem entre si. Em contrapartida, é um disco onde o Green Day pouco ou quase nada se arrisca, diferente do que aconteceu no seu antecessor. Mas isso não é exatamente um problema, né?

(Um dos encartes da nova turnê)

          "Saviors" não só coloca o Green Day de volta aos trilhos como também é capaz de agradar tanto aos fãs das antigas quanto aos mais contemporâneos, com composições que acenam para os dois lados e letras que refletem o mundo atual. Agora é aguardar a turnê e torcer pra ela passar por aqui, pois não é novidade pra ninguém que o Green Day é muito melhor ao vivo do que no estúdio. E a banda já anunciou: irá tocar "Dookie" e "American Idiot", seus dois maiores clássicos, na íntegra durante esta turnê! Bem, só espero que sobre espaço o bastante as novas músicas.

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