RESENHA: Os Buddenbrook - Thomas Mann


          Primeiro romance de Thomas Mann e uma das mais importantes obras da literatura alemã, "Os Buddenbrook" foi publicado originalmente em 1901. O livro narra a ascensão e queda de uma família aristocrática da região norte da Alemanha. Para concebê-lo, Mann, então com apenas 25 anos, se debruçou sobre um árduo trabalho de pesquisa que envolvia a árvore genealógica da própria família e as nuances do cenário socioeconômico da região de Lübeck, sua terra natal. Logo, temos aqui um romance de fortes traços autobiográficos e também um retrato fiel de sua época. A precisão foi tamanha que sua publicação chegou a causar incômodo a parentes e conhecidos de Lübeck que puderam ser facilmente reconhecidos na trama e não gostaram nem um pouco da exposição. O que por sua vez levou o autor a tecer um ensaio em defesa de sua obra, onde fala sobre a "apropriação da realidade" e o papel do escritor.

          Sobre a trama em si é até difícil escrever, pois se trata de uma saga familiar que perdura por quatro gerações. Mann constrói aqui uma espécie de microcosmo da aristocracia alemã do século XIX, abrangendo temas sociais, políticos, religiosos, filosóficos e psicológicos. A leitura também nos permite perceber como os valores e anseios se alteram de uma geração para a outra, causando conflitos que, por mais que estejam ambientados em uma época e lugar específicos, ecoam ainda nos dias atuais. Também é um livro que fala muito sobre livre arbítrio e a busca pela felicidade individual, e como essa muitas vezes é sufocada por regras impostas pela sociedade ou até mesmo pela própria família. Quantas das nossas atitudes e escolhas são realmente nossas? O caminho que trilhamos "sozinhos" seria realmente livre de influências? Essas são algumas das inúmeras reflexões que a obra é capaz de suscitar.

(Capa da primeira edição de "Os Buddenbrook", de autoria de Wilhelm Schulz)

          É um livro que tem as suas bases no realismo, mas que também incorpora elementos do naturalismo e do modernismo. O "pulo do gato" aqui está na forma como o romance é narrado. Os personagens em si, apesar de memoráveis, não são nada excepcionais, diria até banais, ou simplesmente humanos (e isso não é ruim, muito pelo contrário, torna eles muito mais críveis e fáceis de serem reconhecidos dentro no nosso contexto atual), e a narrativa não é dotada de grandes acontecimentos, nada além de jantares suntuosos, casamentos arranjados, dramas familiares e algumas mortes inesperadas. Mas por que a leitura flui de forma tão gostosa? A resposta está no narrador onisciente dotado de uma ironia ímpar, sutil e muito inteligente, e que tempera as críticas à burguesia com um sabor todo especial. Já em seu primeiro romance, Mann exerce pleno domínio narrativo. Além disso, os capítulos são curtos e repletos de diálogos, o que torna a leitura de "Os Buddenbrook" muito mais fluida se comparada, por exemplo, com "A Montanha Mágica" ou "Doutor Fausto".

         Foi mais de um mês de leitura. Não costumo passar tanto tempo na companhia de um único livro, mas dessa vez eu realmente estava sentindo necessidade de desacelerar e de mergulhar mais fundo numa leitura tranquila. E a escolha não poderia ter sido melhor! O livro ocupou minha cabeça por dias e não foram poucas as vezes em que me peguei pensando nos seus dramas e desenlaces, mesmo longe do livro. Sabe aquela sensação de familiaridade que desenvolvemos quando passamos tempo demais com os personagens? Pois é, aconteceu... Principalmente com o pequeno Hanno, talvez o personagem no qual eu mais me vi. É um romance que continua ecoando aqui dentro, ainda hoje me pego pensando nos personagens ou em situações que guardam certa similaridade com o real. Muito mais que um novelão, é um livro que convida o leitor a pensar muita coisa, e isso nos mais diferentes campos. Uma obra vasta que trata da vida como ela é.


          A edição da Companhia das Letras conta com tradução de Herbert Caro e um rico posfácio de Helmut Galle, professor de língua e literatura alemã na USP, onde este explana vários aspectos do romance, inclusive os elementos que o aproximam da obra de Richard Wagner e das etapas da consciência de Schopenhauer. Enfim, aqui é dado todo o tratamento que um grande clássico merece. Não por acaso, a biblioteca Mann é uma das minhas coleções favoritas e, na minha opinião, umas das mais charmosas atualmente.

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