Forrest Gump tem um QI abaixo de 70. Para sua própria mãe, para si mesmo e para toda a sociedade norte-americana, ele é um completo idiota. E é a trajetória desse típico idiota americano que nós vamos acompanhar aqui, desde a infância difícil até a vida adulta não menos conturbada. Mas, muito mais que isso, esse também é um livro sobre a história (nem um pouco romantizada) dos EUA. Aqui, as experiências de vida do personagem estão fortemente amarradas a importantes acontecimentos históricos do país, como por exemplo a Guerra do Vietnã e o movimento de contracultura.
Importante dizer que o livro é beeem diferente do filme, onde o roteirista Eric Roth tomou muitas liberdades. Não que isso seja um problema, mas é bom ter isso em mente na hora de iniciar a leitura. O principal ponto é que o livro de Winston é dotado de um humor negro e de um sarcasmo exacerbado que foram extremamente suavizados ou até mesmo extintos na adaptação. Eu diria que enquanto o filme foi feito para emocionar, o romance tem como objetivo provocar.
A narrativa se dá toda em primeira pessoa e, como Forrest tem o QI baixo, ela traz muitos erros gramaticais de forma proposital (o que me remeteu muito a "Flores para Algernon"). E sim, isso pode deixar a leitura um pouco cansativa. Forrest também conta tudo de forma "atropelada", emendando um acontecimento no outro, dando um tom vertiginoso para suas histórias, que já são bem loucas por si só. Ele joga futebol americano, toca em uma banda, vai pra guerra, se torna celebridade, vai pro espaço, se envolve com política e isso só pra citar alguns exemplos.
Confesso que enquanto tentava entender Forrest, não estava curtindo muito a leitura. Mas depois que comecei a dar mais atenção às críticas que o autor faz as instituições americanas, o livro começou a me ganhar. A forma como Winston amarrou os dramas de Forrest ao contexto norte-americano é muito inteligente. É como se a história principal (que é trajetória do protagonista) e o pano de fundo (que é a história dos EUA) se intercalassem o tempo todo, em uma simbiose no mínimo interessante.
O resultado é uma curiosa mistura do já citado "Flores para Algernon" (pela forma como é narrado), "Café da Manhã dos Campeões" (pelas ácidas críticas ao melhor estilo Vonnegut) e "O Apanhador no Campo de Centeio" (pelas angústias da vida adulta e a sensação de deslocamento em meio a uma sociedade doente). Para aqueles que vêm em busca de algo parecido com o filme, a leitura pode se revelar um pouco decepcionante. Ambas as obras são bem diferentes, mas acho que a experiência de conferir as duas mídias seja enriquecedora, pois, de certa forma, elas também se complementam.
A edição comemorativa de 30 anos publicada pela Aleph está impecável e conta com tradução de Aline Storto, ilustrações de Rafael Coutinho e um texto extra onde a professora Isabelle Roblin discorre sobre o romance e o filme. O livro também traz uma sobre capa dupla-face que permite ao leitor escolher o seu design favorito: de um lado, estampa um capacete de futebol americano, e do outro, uma raquete de tênis de mesa. Todo o projeto editorial é muito bem feito e conversa diretamente com o conteúdo da obra, que veio a se tornar um ícone da cultura pop (embora seja bem mais que isso).
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