Publicada originalmente em 1983, "A Insustentável Leveza do Ser" é a grande obra-prima de Milan Kundera e um daqueles romances chamados definitivos do século XX. Concebida durante o período de exílio do autor, na época radicado na França devido a implacável perseguição que sofria do regime soviético, a obra narra o drama de Tomas, Tereza, Sabina e Franz, quatro vidas marcadas por encontros e desencontros, paixões avassaladoras, sonhos partidos, perdas e arrependimentos... Enfim, tudo o que concerne a vida. Para conceber o romance, Kundera lança mão de temas filosóficos (a teoria do eterno retorno, popularizada por Nietzsche), tragédia grega ("Édipo Rei", de Sófocles), contexto histórico (a ocupação comunista na República Tcheca), erotismo e um sofisticado modo de narrar onde o autor por vezes faz algumas intervenções, brincando com o eu lírico.
Apesar de suas inúmeras camadas, esse é basicamente um livro sobre dualidades, sendo a mais primordial delas o "peso" e a "leveza". O autor parte de uma citação de Parmênides, pra quem o peso possuía uma qualidade negativa, enquanto a leveza, positiva. Kundera então traz essa máxima para a vida e questiona: "Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?"
Esse questionamento irá perdurar toda a leitura, mas não pense que o autor virá com uma resposta pronta, afinal, na vida nada é simples e isso é muito bem retratado na figura das quatro personagens centrais. Pelo menos dentro do que li, poucas vezes um livro foi tão assertivo ao retratar a vida como ela é, cheia de desencontros, acasos, pequenas felicidades, perdas e zero glamour. O texto mostra que nem tudo na vida é preto no branco e que todos nós somos meros atores atuando pela primeira vez e sem direito a ensaio.
"A Insustentável Leveza do Ser" é um livro que vai muito além de distribuir meras pílulas filosóficas, ele realmente bota a gente pra pensar. Em diversos momentos ao longo da leitura, me peguei com o livro aberto nas mãos e olhando para o nada, refletindo algo que havia acabado de ler. Kundera conseguiu construir aqui uma narrativa densa e comovente, repleta de significados, mas que não tenta soar épica, pelo contrário, que explora exatamente o lado mais ordinário do ser humano. Um livro pra ser lido e relido e que acho que sempre terá algo a novo dizer. Essa foi a minha primeira experiência com Milan Kundera e me encantei com o tratamento dado aos temas corriqueiros e que muitas das vezes ficam no limiar. Com certeza voltarei a lê-lo e espero novas investidas de seus holofotes nos cantos obscuros da vida.
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