RESENHA: O Deserto dos Tártaros - Dino Buzzati


          Passei as últimas semanas ouvindo Pink Floyd e me debruçando em suas letras sobre a passagem do tempo, isolamento, solidão, barreiras emocionais e entorpecimento. E, em meio a essa minha obsessão, lembrei desse livro que estava parado aqui na estante havia algum tempo e que conversa diretamente com o tema. Achei que era a hora de finalmente lê-lo. Clássico da literatura italiana, o romance foi publicado originalmente em 1940 e narra a trajetória de vida de Giovanni Drogo, oficial recém-formado que é designado para defender o Forte Bastiani, sólida construção militar que fica em meio às montanhas e faz fronteira com o tal "deserto dos tártaros".  Drogo chega ali jovem e cheio de vida, tomado por um antegozo das glórias que estão por vir, mas logo a ideia de clausura e isolamento arrefece seu espírito. Inicialmente, ele decide ficar apenas por alguns meses, mas a partida é sempre adiada, ora pela burocracia militar, ora pelo fascínio que o próprio local exerce sobre ele (algo como acontece com Hans Castorp em "A Montanha Mágica). Começamos então a acompanhar o angustiante processo de atrofiamento de sua alma e a perda de sua juventude, enquanto o tempo, implacável, faz o seu trabalho.


          "O Deserto dos Tártaros" flerta com a literatura do absurdo e guarda semelhanças com "Esperando Godot", que seria publicada doze anos mais tarde. Se na peça de Beckett os personagens passam o livro inteiro à espera de alguém que nunca chega, Drogo e seus companheiros, por sua vez, esperam por um exército inimigo que a qualquer momento pode despontar no horizonte (mas será que nunca chega?). Aqui, Buzzati usa o militarismo, com toda a sua burocracia, formalidades e leis absurdas, como analogia para os meandros da vida adulta. É como se as próprias paredes do forte representassem as barreiras, sejam elas sociais ou psicológicas, que turvam o espírito, os sonhos e a juventude. Os soldados ali dentro são profundamente sulcados por torpor e tédio corrosivo, alguns deles até perdendo sua humanidade e se tornando algo como autômatos. Mas, mesmo uma vida marcada pela inércia precisa de propósito, e a resposta que os soldados encontram para o seu vazio existencial reside no exército inimigo, sempre prestes a chegar.


          Em algumas passagens ao longo do romance, oficiais mais velhos tentam alertar Drogo dos perigos de se ficar ali no forte. Alguns deles esperam pelos tártaros há quinze, trinta anos, e mesmo desprovidos de esperança, simplesmente não conseguem sair da inércia. Esses alertas são verdadeiros tapas na cara do leitor e fazem de "O Deserto dos Tártaros" uma leitura forte e angustiante. É um livro que incomoda! Em alguns momentos é como se as páginas estivessem gritando para o leitor, um desesperado chamamento para a vida. E a leitura se torna ainda mais angustiante conforme o tempo vai avançando e Drogo vai envelhecendo, perdendo aos poucos o vigor do espírito e sendo "esculpido" pela vida ali no forte. Poucas vezes digo que uma leitura é necessária, mas, se tem algum livro que se encaixa nessa categoria, é esse! Não importa o momento pelo qual você esteja passando, certamente vai tirar lições valiosas daqui e pode até ser que o livro te dê um empurrãozinho naquele assunto que você precisa resolver mas está sempre adiando. Apenas tenha em mente que esse empurrão pode não ser nada agradável, mas preciso, como um remédio amargo.

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