RESENHA: O Vermelho e o Negro - Stendhal

          Publicado originalmente em 1831, "O Vermelho e o Negro" é tido por muitos como um dos romances mais bem acabados de todos os tempos, bem como o marco zero do chamado romance psicológico. A obra foi composta na Itália, onde Stendhal (pseudônimo de Marie-Henri Beyle) se instalou após servir ao exército de Napoleão, e narra a busca por ascensão social de Julien Sorel, jovem astuto, bem apessoado e ambicioso, mas que teve a infelicidade de nascer com quinze anos de "atraso". Explico: as qualidades que o levariam à gloria no tempo de Napoleão, agora, na época da Restauração, são de pouca valia, principalmente para quem cometeu o pecado de nascer plebeu, que é o caso do nosso Julien. Filho de um carpinteiro das montanhas, o protagonista não aceita o seu destino e almeja ingressar na alta sociedade. Se antes isso era possível através da espada, agora não mais. O único caminho possível é o clero e assim Julien se inicia nos estudos eclesiásticos.

          O romance pode ser dividido em três momentos: no primeiro deles vamos acompanhar Julien na província, onde tem a oportunidade de ingressar na casa de um ricaço como tutor de seus filhos. Aqui, nosso herói entrará em contato com os podres que impregnam a pequena sociedade burguesa de Verrièrres, bem como será tocado pelas primeiras chamas da paixão. Aqui também o nosso herói descobre que, caso queira entrar na alta sociedade, deverá sufocar sua devoção mais profunda, aquela que nutre por Napoleão. Mais uma vez vale lembrar que estamos na época da Restauração e defender Napoleão era quase que um crime. Julien então descobre que, se quiser ascender socialmente, terá que vestir certas "máscaras".

          Em um segundo momento, nosso herói irá adentrar um seminário para se dedicar aos estudos religiosos. Nessa parte, Stendhal usa de um delicioso sarcasmo para escancarar as hipocrisias que permeiam os dogmas religiosos. E por fim, ocupando a maior parte do romance, temos a chegada de Julien a Paris. Nessa parte podemos dizer que se concentra o puro suco da sociedade parisiense de então, com todas as suas nuances políticas, os seus conflitos de classe, suas paixões mais ocultas e os vícios pungentes. Mas Julien é um arrivista, um herói de tragédia grega em batalha contra o próprio destino e que, para triunfar, irá tentar dançar conforme a música, custe o que custar.

          A ambição de Julien é ao mesmo tempo sua força e sua perdição. Se por um lado ela o impulsiona, fazendo-o conquistar coisas e se mover, por outro ela o condena a uma vida de infelicidade na qual é impossível desfrutar daquilo que já se tem. Em diversas passagens ao longo da narrativa eu me perguntava se não era melhor Julien ficar onde estava, se não era possível ser feliz ali, mas ele sempre almejava por mais. Sua ambição era um paradoxo. Em contrapartida, é de se admirar sua postura perante a vida. Mesmo tendo consciência das adversidades, ele não adota um pensamento fatalista. Enfim, acho que já deu pra perceber que temos aqui um personagem bastante complexo e que encarna os conflitos de nossa existência.

          "O Vermelho e o Negro" é um daqueles romances grandiosos demais para tentar definir em palavras e sei que nada do que eu escrever aqui estará à altura. O retrato de uma época, a tragédia a qual os acasos da vida podem levar um homem, um estudo sobre a ambição, uma análise da alma humana, um experimento narrativo que perscruta a psicologia de seus personagens e brinca com o eu lírico e uma nova forma de se fazer romance... O livro de Stendhal é tudo isso e mais um pouco.

          Não sei nem dizer se gostei da leitura. Não falo da experiência da leitura em sim, mas do fato de ver a alma humana tão desnudada e a sociedade e o mundo tão mesquinhos que posso não ter gostado do que vi. Mas assim são as coisas e assim é a vida. Às vezes, assim como Julien, nós simplesmente não podemos vencer com as cartas que temos. Não importa o quanto sejamos bons estrategistas, o quão fortes somos ou o quão bem nos preparamos. Essa é a tragédia de Julien Sorel, um homem tão característico de sua era e ao mesmo tempo tão atemporal que continuará, ao longo dos séculos, encontrando semelhantes.

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