RESENHA: Um Jogador - Fiódor Dostoiévski

          O ano era 1866 e as coisas não iam nada bem para Dostoiévski. Atolado em dívidas, o escritor ainda se via refém de um contrato abusivo com seu editor, há quem deveria entregar um romance até 1º de novembro, caso contrário, este poderia publicar a obra dostoievskiana por longos nove anos sem qualquer tipo de remuneração ao autor. Já estávamos em outubro e, no auge de seu desespero, Dostoiévski recorreu às suas experiências de jogatina para conceber e finalizar este romance semi-autobiográfico em pouco mais de vinte dias. Para isso, ele contou com a ajuda da taquígrafa Anna Grigórievna, que mais tarde se tornaria a sua esposa.

          A narrativa nos apresenta as peripécias de Alexei Ivanovich e sua trupe em sua passagem por Reletenburgo. Sim, é esse mesmo o nome da cidade. Como podemos ver, trata-se de um romance altamente satírico e isso também fica evidente nas personagens, sendo o grupo de Ivanovich formado por aristocratas russos, mulheres coquetes, um excêntrico inglês e um francês que é cínico até os ossos. São personagens caricatos que tornam a leitura divertida - talvez um dos dostôs mais engraçados que já li - mas que também revelam os traços xenofóbicos e chauvinistas do autor.

          O próprio protagonista encarna muito de Dostoiévski, principalmente na forma como enxerga os ocidentais e também nas suas críticas ao capitalismo. Todas as complexas relações que permeiam o grupo giram em torno do dinheiro e Ivanovic parece se enojar disso, sempre tentando ficar à margem. Mas, ao mesmo tempo, se vê preso em um paradoxo, já que o dinheiro seria a única forma de acender socialmente e ter acesso à aristocrata por quem é apaixonado e que parece "jogar" com ele ao longo de todo o romance. Destaque também para a ambientação, que nos coloca dentro dos cassinos europeus do século XIX, um ambiente soturno e insólito que casa muito bem com as profundezas da alma, objeto de estudo recorrente em Dostoiévski.

          Este é um livro divertido e que pode ser lido simplesmente com esse intuito. Mas, caso queira cavar mais fundo, há muitas camadas a serem exploradas. Ivanovic é um personagem complexo e através dele Dostoievski irá tratar o tema profundo do desejo, do poder, do prazer e da paixão inalcançável. Afinal, trata-se de Dostô, né? Mesmo em um livro curtinho, nunca é raso. A edição da 34 conta com tradução e posfácio de Boris Schnaiderman e xilogravuras do austríaco Axl Leskoschek.

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