Korolenko foi umas das melhores surpresas que tive no ano passado, quando li "O músico cego". Sua escrita, poética e sensível, me cativou de primeira e eu sabia que não demoraria para voltar a lê-lo. E eis-me aqui falando sobre mais um livro dele, dessa vez "Em má companhia". Essa pequena novela foi publicada originalmente em 1885 e narra, sob o olhar de uma criança, as desventuras de um grupo de miseráveis que vive às margens da sociedade na cidadezinha de Kniaj. Vássia, nosso protagonista, é um garoto, filho de juiz, que leva uma vida confortável e, como qualquer criança normal, apronta das suas pela vizinhança. Em suas andanças pela cidade, ele frequentemente cruza com algumas figuras estranhas: um homem que sussurra pelos cantos e tem pavor de objetos cortantes, outro que se autointitula general e age como tal, um bêbado inveterado e um filósofo maltrapilho. São miseráveis que estão sempre em busca de um trocado para a próxima refeição, e claro, são como que invisíveis para a sociedade, mas não para Vássia.
O caso é que o garoto acaba fazendo amizade com algumas crianças do grupo e com isso começa a frequentar as ruínas onde esses infelizes vivem, às margens da cidade. Vássia então, com sua inocência de menino, desperta para uma realidade diferente da sua. Em "má companhia", ele descobre que a vida nem sempre é preto no branco, o certo nem sempre é o mesmo que o justo e assim por diante. Ciente das injustiças sociais e livre dos preconceitos do povo da cidade, seus valores começam então a ser construídos sobre um alicerce mais amplo e heterogêneo. E esse é um dos temas recorrentes na obra do Korolenko.
O escritor defendia que, para despertar moralmente, o homem deve sair de sua zona de conforto e conhecer outras realidades. Segundo ele, muitos dos males do mundo advinham dessa falta de repertório. Ainda da acordo com Korolenko, a rigidez das estruturas sociais podem agir como uma espécie de obstáculo a esse despertar, separando ainda mais os indivíduos. Mas o homem almeja à luz, e essa iluminação pode ser encontrada no que há de mais íntimo em nossos corações, por isso as crianças estariam mais próximas dessa luz do que nós, adultos, muitas vezes esculpidos e calejados pela sociedade. Daí o protagonismo das crianças na obra de Korolenko.
Assim como "O músico cego", "Em má companhia" carrega uma importante mensagem, sem soar como uma novela boba. A obra é bem acabada, poética e carregada de texturas. Como outro escritor russo, Turguêniev, o autor possui um cuidado especial com a estética do texto e é dotado de uma sensibilidade ímpar para descrever os elementos da natureza. Uma pena que ele não seja tão conhecido por aqui, pois merecia ter mais material traduzido para a nossa língua. A edição da Carambaia é simples mas bem cuidada, com esmero especial no tratamento do texto e que ainda traz um rico posfácio assinado por Elena Vássina, que contextualiza e destaca a importância da obra de Korolenko dentro da literatura russa.
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