CITAÇÕES: Madame Bovary - Gustave Flaubert



📖 "Antes de se casar, ela achava ter amor; mas não tendo chegado a felicidade que deveria resultar desse amor, era preciso que ela tivesse se enganado, pensava. E Emma buscava saber o que exatamente se entendia na vida pelas palavras felicidade, paixão e embriaguez, que lhe tinham parecido tão belas nos livros."


📖 "Na cidade, com o barulho das ruas, o burburinho dos teatros e as claridades do baile, elas tinham existências em que o coração se dilata, em que os sentidos desabrocham. Mas ela, a sua vida era fria como um celeiro cuja lucarna dá para o norte, e o tédio, aranha silenciosa, fiava a sua teia na sombra em todos os cantos do seu coração."


📖 "Sua viagem a Vaubyessard tinha feito um buraco em sua vida, à maneira dessas grandes fendas que uma tempestade, numa só noite, cava às vezes nas montanhas. Resignou-se, entretanto; apertou piedosamente na cômoda a sua bela toalete e até os sapatos de cetim, cujas solas tinham amarelado com a cera escorregadia do assoalho. Seu coração estava como eles: com o roçar da riqueza, tinha se colocado em cima algo que não se apagaria."


📖 "Quanto mais as coisas, aliás, eram vizinhas, mais a sua mente se desviava delas. Tudo que a cercava de imediato, o campo enfadonho, pequenos burgueses imbecis, mediocridade da existência, parecia-lhe uma exceção no mundo, um acaso particular em que ela se encontrava presa, ao passo que para além se estendia, a perder de vista, o imenso país das felicidades e das paixões. Ela confundia, no seu desejo, as sensualidades do luxo com as alegrias do coração, a elegância dos costumes e as delicadezas do sentimento. Não eram necessários para o amor, como para as plantas indígenas, terrenos preparados, uma temperatura particular? Os suspiros ao luar, os longos abraços, as lágrimas que correm nas mãos que se abandonam, todas as febres da carne e os langores da ternura não se separavam pois do balcão dos grandes castelos que estão cheios de lazeres, de um boudoir de cortinas de seda com um tapete bem espesso, jardineiras repletas, um leito montado sobre um estrado, nem do cintilar das pedras preciosas e das fitas da libré."


📖 "No fundo da alma, entretanto, ela esperava um acontecimento. Como os marujos em perigo, ela passeava sobre a solidão de sua vida os olhos desesperados, procurando ao longe alguma vela branca nas brumas do horizonte. Não sabia qual seria esse acaso, o vento que o empurraria até ela, para que plaga a levaria, se era chalupa ou navio, com três conveses, carregado de angústias ou pleno de felicidades até as aberturas dos canhões. Mas, a cada manhã, ao despertar, esperava-o para aquele dia, e escutava todos os ruídos, levantava-se em sobressalto, ficava atônita por ele não vir; depois, ao pôr do sol, sempre mais triste, desejava estar no dia seguinte."


📖 "Depois do tédio dessa decepção, o seu coração ficou de novo vazio, e então a série dos mesmos dias recomeçou. Eles iam agora enfileirar-se, sempre iguais, inumeráveis, e não trazendo nada! As outras existências, por mais chatas que fossem, tinham pelo menos a possibilidade de algum evento. Uma aventura às vezes trazia peripécias ao infinito, e o cenário mudava. Mas, para ela, nada acontecia. [...] O futuro era um corredor bem escuro e que tinha no fundo uma porta bem fechada."


📖 "Estava cansado de amar sem resultado; depois começava a sentir aquele desânimo que é causado pela repetição da mesma vida, quando nenhum interesse a norteia e nenhuma esperança a sustenta. [...] Entretanto, a perspectiva de uma situação nova o espantava tanto quanto o seduzia."


📖 "Tudo lhe pareceu envolto numa atmosfera negra que flutuava confusamente sobre o exterior das coisas, e a mágoa se engolfava em sua alma com uivos suaves, como faz o vento de inverno nos castelos abandonados. Era aquele devaneio que se tem com o que não voltará mais, a lassidão que nos domina depois de cada fato consumado, aquela dor, enfim, que nos traz a interrupção de todo movimento costumeiro, a cessação brusca de uma vibração prolongada."


📖 " - Você não sabe que existem almas atormentadas sem trégua? São-lhes necessários, alternadamente, o sonho e a ação, as paixões mais puras, as alegrias mais furiosas, e se lançam assim em toda sorte de fantasias, de loucuras. [...] Triste distração, pois não se encontra nela a felicidade. 
   - Mas a gente a encontra algum dia?
 - Sim, ela se encontra um dia. Um dia, de repente, quando a gente já tinha perdido as esperanças. Então entreabrem-se horizontes, é como uma voz que grita: "Aí está ela!". Você sente a necessidade de fazer a essa pessoa a confidência da sua vida, dar-lhe tudo, sacrificar-lhe tudo. Não se explica, adivinha-se. Vislumbra-se nos sonhos. Enfim, ele está aí, esse tesouro que se buscou tanto, aí, diante de você; ele brilha, faísca. Entretanto, ainda se duvida dele, não se ousa acreditar; fica-se ofuscado com ele, como ao sair das trevas para a luz."


📖 "Por que declamar contra as paixões? Acaso não são elas a única coisa bonita que existe sobre a terra, a fonte do heroísmo, do entusiasmo, da poesia, da música, das artes, de tudo enfim?"


📖 "Que felicidade naquele tempo! Que liberdade! Que esperança! Que abundância de ilusões! Nada sobrava delas! Ela as tinha gasto em todas as aventuras de sua alma, por todas as condições sucessivas, na virgindade, no casamento e no amor - perdendo-as assim continuamente ao longo da vida, como um viajante que deixa alguma coisa de sua riqueza em todas as hospedarias do caminho. Mas quem pois a tornava tão infeliz? Onde estava a catástrofe extraordinária que a tinha desorientado? E ela reergueu a cabeça, olhando em torno, como para procurar a causa do que a fazia sofrer."


📖 "O que há de mais lamentável é arrastar, como eu, uma existência inútil, não é? Se as nossas dores pudessem servir a alguém, a gente se consolaria no pensamento do sacrifício!"


📖 "Não importa! Não estava feliz, nunca tinha estado. De onde vinha então essa insuficiência da vida, essa podridão instantânea das coisas em que ela se apoiava? [...] Nada, aliás, valia a pena de uma procura; tudo mentia! Cada sorriso escondia um bocejo de tédio, cada alegria uma maldição, cada prazer o seu desgosto, e os melhores beijos não deixavam nos lábios senão uma irrealizável vontade de uma volúpia mais alta."


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