RESENHA: O Chamado da Floresta - Jack London


          Em 1897, Jack London se ingressou na corrida pelo ouro, no Alasca. Experiência essa muito malfadada, uma vez que o autor regressou de lá falido e doente. Mas a aventura ao menos lhe rendeu material para seus escritos, servindo de inspiração para diversos contos e esta que é considerada por muitos a sua obra-prima. Publicado originalmente em 1903, "O Chamado da Floresta" tem como protagonista Buck, resultado do cruzamento entre um gigantesco São Bernardo e uma cadela pastora. Isso mesmo, trata-se de um cachorro.

          Buck levava uma vida agradável na ensolarada California, comendo do bom e do melhor e desfrutando da amizade de seus tutores, até que em um fatídico dia se vê raptado e levado ao Alasca, onde deve servir aos homens na corrida pelo ouro. Acostumado à boa vida, Buck passa então a sofrer uma série de maus-tratos, abusos e privações, tanto pelas mãos dos homens, quanto pelas presas de cães cruéis. Para sobreviver nesse ambiente inóspito, ele deverá "endurecer" e esquecer as leis e os códigos que aprendeu na vida domesticada e que não fazem o menor sentido nessas terras geladas. Essa adaptação forçada irá requerer uma conexão com suas raízes e o despertar de seus instintos mais primitivos, e é esse o processo que nós iremos acompanhar aqui.

(Harrison Ford e "Buck", na adaptação de Chris Sanders)

          A jornada de Buck evidencia as agruras impostas pela ambição do homem e do meio em que vivemos, discutindo temas como ética, moral e identidade. Através dos olhos do cão, o leitor é convidado a lançar um olhar para a própria vida e refletir sobre a sociedade e o quanto somos realmente livres. A obra tem uma escrita simples e direta, mas com belos recortes dos elementos da natureza. Para os mais sensíveis em relação à crueldade com animais, é melhor passar longe. Outro ponto interessante é que a narrativa busca retratar a corrida do ouro com bastante precisão, trazendo descrições fiéis das trilhas, rios, florestas e montanhas percorridos por Buck (e por London, nos tempos de garimpeiro). As notas de rodapé também ajudam na contextualização, dando detalhes históricos e geográficos sobre o período e elucidando curiosidades sobre as raças caninas que surgem ao longo da leitura.
 
          Se é o melhor de Jack London? Pra mim, fica longe disso. Ainda assim é uma leitura bastante válida, tanto pelos temas que aborda, quanto pelo fiel retrato de um capítulo histórico tão importante da América do Norte. É também o momento único da carreira de um grande escritor, uma vez que configura o seu primeiro romance de grande sucesso. A leitura, imersiva e rica em detalhes, nos leva para outras paragens, abrindo todo um leque de questões a refletir; sem contar, é claro, a peculiaridade de se ler uma história que tem como protagonista um cão - algo até comum hoje em dia, mas inusitado pra época. Vale lembrar que mais tarde o autor voltaria ao tema em "Caninos Brancos", dessa vez invertendo um pouco as coisas e trazendo a história de um lobo que é domesticado por homens. Acho que as duas leituras se complementam muito bem e deixo aí a indicação.

(Jack London)

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